terça-feira, 21 de janeiro de 2014

"Rolezinhos", direito à cidade e luta contra criminalização da juventude negra: uma reflexão


Preta do Vale  - Coletivo Construção Rio de Janeiro

Mas afinal, o que são “rolezinhos”? Quem são esses jovens?

Movimento no rolezinho no Ibirapuera
(Foto: Vagner Campos/G1)
   Os chamados “rolezinhos” são encontros marcados virtualmente por jovens da periferia em espaços como, praças, parques, estacionamentos e shoppings, contando com a participação de milhares de jovens, com o intuito de se conhecerem e de se relacionarem. Independente do cenário, o Funk é a trilha sonora que predomina. Esse movimento foi uma das formas que essa juventude encontrou para dar resposta imediata a proibição do gênero musical, em especial os classificados como “Proibidão” e “Ostentação” em diversas cidades brasileiras, como Rio de Janeiro e São Paulo, para darem continuidade a sua diversão.
Esses eventos têm sido criminalizados por empresários, setores da burguesia, da classe média e meios de comunicação, tendo seu ápice em novembro de 2013 quando o episódio do Shopping Vitória, na Enseada do Suá, no Espírito Santo, em que a polícia militar cercou o estabelecimento para “proteger” lojistas e consumidores ameaçados por um suposto “arrastão”, mas, na verdade, tratava-se de uma juventude preta, pobre e funkeira que ocuparam o shopping para se proteger da violência da tropa da PM que acabara de encerrar a força o baile Funk que acontecia no Pier ao lado. Tal acontecimento foi um verdadeiro retrato de cenas clássicas de racismo: A Polícia chegou rapidamente e saiu prendendo todo e qualquer jovem que se enquadrasse no “padrão funk”. Nenhum registro de violência, depredação ou qualquer tipo de crime. Absolutamente nada além da presença física.
Policial militar usa cassetete para intimidar jovem

durante rolezinho no shooping Itaquera, na zona leste
de SP. Fonte: Bruno Poletti/Folhapress
Essa situação escancarou o verdadeiro apartheid social existente no Brasil, no qual no lugar das leis racistas, a criminalização da pobreza cumpre o papel de segregação social, em que a  discriminação étnico-racial  é velada, sendo o preto pobre da periferia em enfrentar as barreiras da organização da cidade é considerado um criminoso em potencial.  
Mesmo com esse episódio, no dia 14 de janeiro, no segundo rolezinho do ano, no Internacional Shopping Guarulhos, na Grande São Paulo, a polícia prendeu 23 jovens, alegando “perturbação de sossego”. Intensificando a criminalização, um juiz de São Paulo concedeu uma liminar que prevê multa de R$ 10 mil para quem comparecer para a prática do rolezinho aos shoppings. Para a efetivação da liminar, policiais e seguranças revistam e selecionam as pessoas que podem entrar no estabelecimento. Ora, apesar de ser um espaço privado, o shopping não é um lugar de livre circulação? Qual é o critério para a revista e permissão de entrada?
O critério é nada além do corpo negro estigmatizado pela condição social, pelas vestes e pelo local de moradia.
Em solidarização aos jovens presos e em repúdio a criminalização da juventude negra da periferia estão sendo marcados “rolés” em varias cidades brasileiras. Em 16 de janeiro, militantes de movimentos sociais como, MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), Periferia Ativa – Comunidades em Luta e Resistência Urbana - Frente Nacional de Lutas fizeram um “Rolezão Popular” no Shopping Campo Limpo, zona sul da cidade de São Paulo, em que trabalhadores, sem-tetos, mulheres, jovens, negros e negras e moradores da periferia da Grande São Paulo, se reuniram em protesto contra a discriminação e a violência aos jovens da periferia, em especial, pelos shoppings e pelo judiciário.
Foto: Marcelo Mora/ G1

Um “rolezinho” para desmascarar a criminalização da juventude negra das periferias

passinhos de Funk no "rolezinho" no Shooping Mall, em
São paulo. Fonte: The Economist.
O movimento dos “rolezinhos” é um ato político de manifestação de expressão cultural da comunidade negra historicamente criminalizada, como ocorreu com a capoeira e o samba, sendo o funk o destaque da vez. Para além disso, este movimento ilustra a critica dessa juventude ao atual modelo de organização urbana auto segregado, em que a política de construção de espaços privados nas áreas centrais que atendem a especulação imobiliária, o acesso a cultura e lazer restringido a quem pode pagar, a priorização de construção de espaços de cunho privado de interação coletiva – como o caso dos shoppings e parques de diversões –  em detrimento dos espaços públicos como, praças e parques e museus,  coibindo, portanto, a expressividade espacial da juventude periférica  e intensificando o alijamento do intercâmbio cultural.
Nesse cenário de atendimento, por parte dos governantes, aos interesses do grande capital, ou seja –  os interesses dos empresários e conglomerados financeiros se sobrepondo aos interesses dos trabalhadores –  nos últimos 10 anos, as políticas dos governos Lula e Dilma, de transferência de renda e facilitação de abertura de crédito, impulsionaram uma suposta criação de uma camada social mercadológica, propagandeada como a nova “Classe C”, na qual essa juventude teve sua incorporação no mercado de bens de consumo, sendo orientada a ocupar em seu tempo livre espaços com tais finalidades, que contraditoriamente são lugares frequentados pela elite branca que estipulam padrões de comportamentos socioculturais que a juventude negra periférica não se enquadra, promovendo episódios de expressões de preconceitos sociorracias como já expostos a cima.
Caminhada em protesto contra violência policial na periferia
de São Paulo, em novembro de 2013. 
Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil
A violência policial não se restringe aos “rolés”. A oficialização da criminalização da pobreza através de uma política de segurança pública que prioriza o extermínio de pobres, negros, favelados –  como no caso do jovem, Douglas Martins, pobre, negro, da periferia de São Paulo, assassinado por um policial em outubro de 2013–  apresentando índices de mortalidade de guerra civil. De acordo com o primeiro levantamento nacional sobre mortes decorrentes de homicídios com recorte étnico, cuja pesquisa intitulada “A cor dos Homicídios no Brasil”, promovida pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, realizada pelo sociólogo Júlio Jacobo Waiselfisz, no período de 2002 a 2010, o país registrou 418.414 mortes, destas 65,1% (272.422 pessoas) eram negras. O numero de homicídios brancos, dentre esses oitos anos, teve uma queda de 25,5%. Já os homicídios negros representaram um aumento de 29,8%.
A tendência de vitimização de negros no Brasil entre a população jovem se intensifica, na pesquisa sobre homicídios e juventude publicada em 2013, pela Secretaria Nacional de Juventude, também realizada pelo sociólogo Waiselfisz, aponta que em 2011, 51 jovens foram assassinados a cada dia do ano, registrando um total de 18.436 jovens assassinados no país. Com taxas deste tipo de mortes superiores aos 12 maiores conflitos armados no período de 2004 e 2007 no mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde, o Brasil ocupa a sétima posição entre os 95 países com maiores taxas de homicídios de jovens por 100 mil habitantes, tendo como percentual 27,4 homicídios no total geral e os impressionantes 54,8 por 100 mil especificamente na população jovem.
Vivemos em uma era de verdadeiro genocídio. A participação negra correspondeu a 71.4% do total de homicídios na população jovem, em 2011. Neste ano, a proporção de mortes de vitimas negras foi 153,4% maior em relação às vitimas brancas.
Cabe salientar, que a cor da pele e o território definem os que são marginais e cidadãos. Portanto, os “rolezinhos” além de serem uma manifestação espontânea de luta em prol do direto a cidade e da liberdade de manifestação cultural da juventude da periferia, representam, mesmo que inconscientemente, a luta contra o extermínio da juventude periférica, em que a burguesia defende a morte dos pretos e pobres para solucionar os problemas sociais.

Eu vou à luta com essa Juventude! Todo apoio aos “rolezinhos” e “rolezões”!

 O ano de 2013 ficará na história do país. A juventude cumpriu um papel protagonista junto com as trabalhadoras e trabalhadores nas manifestações de junho que se incorporaram as reivindicações dos movimentos populares e movimento sindical, que esteve presente nas paralisações nacionais convocadas pelas centrais sindicais que ocorreram nos dias 11 de julho e 30 de agosto, nas lutas de ocupações de terra no campo e na cidade, greves e bloqueios de rodovias.         
A revolta popular gerada pelo estopim do aumento das tarifas dos transportes públicos, combinado com a crise econômica, os gastos bilionários com as obras da Copa do Mundo e Olimpíada, em detrimento de investimentos nas áreas sociais, como educação e saúde, além das remoções geradas pelo atendimento a especulação do grande capital, deslocando os pobres para as periferias metropolitanas, sem garantia de nova moradia digna para os removidos, culminou na luta pelo direito à cidade. Os megaeventos Olimpíadas estão servindo de pretexto para as cidades serem moldadas a serviço do capital, em que seus espaços estão a venda.
Em meio a todos esses fatores, os “rolezinhos e “rolezões” apesar de serem movimentos que surgiram espontaneamente já nos primeiros dias de 2014, não sabendo ao certo que proporção tomarão, são mobilizações que refletem as lutas de 2013, em que a juventude indignada ocupando shoppings forma de protesto pelo direito à cidade, direto de ir e vir, direito a sua manifestação cultural, direito de garantir sua própria existência!
É nosso dever ocupar os shoppings e todos os espaços de interação que sejam privatizados, mas as jornadas de junho nos mostraram que é ocupando as ruas que a juventude e as trabalhadoras e trabalhadores conseguirão o caminho da vitória!
Manifestação ocorrida na praça Savassi, em Belo Horizonte, no dia 15 de junho de 2013. Esse foi o primeiro ato contra o
aumento da tarifa de transporte coletivo na cidade. Foto: Mídia Ninja.

Mas para isso, é necessário se organizar coletivamente para pautar as lutas da juventude da periferia. Nós do Coletivo Nacional Construção reunimos jovens de diversas áreas do Brasil na luta por uma sociedade mais justa e igualitária! Junta-se a nós nessa empreitada! Que cada canto da cidade se encha de periferia. A cidade é de todos nós! É nosso direito ir às ruas, ocupá-las e reivindicar!
Por isso defendemos:
ü Contra a discriminação das manifestações culturais das comunidades periféricas! Abaixo a criminalização do Funk
ü A denúncia do genocídio da população pobre, e aos negros da periferia.
ü A descriminalização da pobreza e a não criminalização das manifestações e lutas populares
ü A desmilitarização da Policia!
ü A auto-organização da juventude em bairros e escolas
ü Um Encontro Nacional dos movimentos de junho, onde todas estas pautas de direito a cidade sejam unificadas!
ü Por mais espaços públicos e de lazer nas periferias!

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