sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Que lições podemos tirar da greve da USP?


Uma mobilização forte

A luta que tivemos esse ano na USP foi a mais forte dos últimos anos e conseguiu coisas que até então eram impensáveis. Muitos cursos que não têm um grande histórico de mobilização entraram com força na luta e alguns fizeram greve pela primeira vez. Vitórias importantes em reivindicações específicas de vários cursos aconteceram, o que já mostra que, apesar da postura truculenta e repressora da reitoria e do governo e de sua indisposição em dialogar, a luta é o caminho para mudanças.
Outro elemento muito importante foi uma ocupação que foi feita com o movimento unificado e que conseguiu ganhar legitimidade não apenas dentro do movimento, mas em alguns setores da sociedade. Seguidas vitórias políticas que tivemos na justiça contra a reintegração de posse mostram a força da legitimidade e da ação unificada do movimento, uma vez que, como sabemos de experiências anteriores, o judiciário é um campo favorável aos adversários das mobilizações. E a força se expressou também na relação direta entre o movimento e a reitoria. Primeiro obrigamos o reitor a sentar para negociar com o movimento, o que há muito tempo não acontecia. Depois arrancamos da reitoria um termo de acordo com muitos pontos importantes, que mostrou o poder do movimento e o medo do Governo do Estado de que expandíssemos nossa mobilização. Naquele documento, um ponto fundamental faltava para que tivéssemos uma vitória consolidada: a garantia de não punição.

Um debate político contra a divisão do movimento

 A partir do momento em que foi proposto o termo, o movimento, que ainda poderia ter mais um fôlego, tendeu a se dividir e enfraquecer. É importante frisar a diferença entre divisão do movimento e divergências políticas. As divergências e votações não só devem ter espaço, como são fundamentais para que o movimento avance, aprenda e chegue a novas sínteses. Porém, quando as divergências deixam de ser discutidas em suas raízes e passam a ser debatidas em linhas gerais, os debates vão se despolitizando e avançar a partir deles fica cada vez mais difícil. Quando votamos, por exemplo, que não debateríamos ponto por ponto do documento e que somente aceitaríamos ou rejeitaríamos o termo por inteiro demos um passo nesse sentido. As disputas em linhas gerais entre dois grandes blocos – sem possibilidades de pequenos adendos que levariam o debate a um nível superior – acabam colocando as disputas em um nível mais moral que político. Quando isso começou a acontecer nessa mobilização, passamos a nos enfraquecer.
Uma lição que fica a partir disso é que é importante aprofundar o debate político sobre as bandeiras não só no início, mas ao longo da mobilização. Isso ajuda a evitar a divisão do movimento em posições tomadas superficialmente e, portanto, menos politizadas.

O ME da USP precisa se dispor a se articular de fato com os outros movimentos sociais

A reitoria, após entregar o termo, provavelmente por achar que com ele dividiria e enfraqueceria o movimento, se recusou a continuar negociando. Nesse momento, vários setores do movimento corretamente viram a necessidade de mais radicalização para aumentar nossa pressão. Porém, nenhuma ação mais radicalizada podia dar resposta ao movimento. O ME já estava usando uma das estratégias de pressão mais eficientes, que é a ocupação. Maior força só poderia ser conseguida se saíssemos do âmbito dos estudantes e da universidade e se construíssemos nosso movimento junto com outros movimentos sociais de trabalhadores. Essa unificação poderia multiplicar nossa força, e faria o Governo Estadual temer muito mais nossa mobilização.

Mas o que é construir conjuntamente com outros movimentos sociais?

Alguns apoios pontuais, ações conjuntas e diálogos entre diferentes setores da sociedade são muito importantes, como chamar determinados movimentos sociais para debates na universidade, fazer campanhas do ME em lugares fora da universidade, debater entre os estudantes lutas de outras categorias ou ter alguma ação conjunta com estas. Porém, apesar de importantes, essas ações são bastante efêmeras e não configuram de fato uma construção conjunta. O ME da USP pode tomar iniciativas mais sólidas no sentido de se unificar com diversos outros movimentos. Para a construção conjunta de lutas, é importante que haja espaços de articulação, onde se debatam as pautas comuns e as ações a serem tocadas conjuntamente. Um encontro dos movimentos de São Paulo que debatesse o combate à repressão e o acesso à educação e ao transporte poderia ser articulado e fortaleceria não só o ME, mas todos aqueles que, como nós, se enfrentam com os governos. No ano de 2014, essa articulação será ainda mais necessária, pois todos os movimentos estarão combatendo ataques parecidos, em função da Copa. Um fórum dos movimentos em São Paulo teria um papel importante na articulação das lutas até nacionalmente
       Para lutarmos por cotas, por democratização real da universidade e contra a violência do estado que sofremos é fundamental que estejamos junto ao movimento negro, aos cursinhos populares, movimentos da periferia e de tod@s aqueles que lutam por direitos!

As mobilizações ainda esse ano

A greve desse ano foi muito forte, conseguiu várias vitórias particulares em alguns cursos e teve chances de conseguir outras importantes para toda a USP. Porém, na prática, já terminou e quase todos os cursos estão tendo aulas normalmente. A grande vitória que tivemos esse ano foi construir um movimento que deixaria um legado positivo para futuras mobilizações. Os avanços políticos e a força que tivemos nos deram moral para continuar reivindicando e lutando. Porém, uma greve votada em assembleia geral que não acontece na prática tem efeito contrário: desmoraliza o movimento e tende a dificultar que as pessoas queiram embarcar em novas lutas. É importante que, no momento em que estamos, quando a greve, de fato, já não existe e não existem condições objetivas para reerguê-la, a encerremos formalmente e tracemos, sobre a base da nossa força atual, os rumos de novas lutas para o próximo ano.

E a consulta para Reitor?

Porém, uma última campanha ainda é necessária esse ano,quando acontecerá uma consulta de opinião para reitor. Essaconsulta não terá valor oficial na eleição do novo dirigente daUSP e servirá apenas para a burocracia legitimar uma dasquatro candidaturas apresentadas, todas marcadamentecontrárias ao movimento e às nossas reivindicações, assimcomo é atualmente o reitorado de Rodas. Não queremosparticipar de um processo que tem esse intuito. Dizem quequerem ouvir nossa opinião, mas não há opção favorável paranós. O movimento da USP não deve votar nessa consulta,dando continuidade à importante luta que fizemos contra essesistema muito antidemocrático de eleições para Reitor.

Em 2014: uma calourada para continuar junho e outubro!

A calourada de 2014 precisa cumprir um papel de preparar os estudantes para as grandes lutas que devem acontecer esse ano, dentro efora da USP. Colocar a necessidade de conquistarmos os blocos K e L do CRUSP, avançarmos na democratização da universidade e, além disso, termos parte nas grandes lutas que sucederão junho. Mas não apenas preparar individualmente cada pessoa com bons debates. A calourada deve ajudar a apontar para a necessidade de o nosso movimento se articular mais solidamente com outros e já trazer representantes de diversos setores das lutas para dialogar com os novos estudantes da Universidade.


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quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Há muito além dos dois grandes blocos que aparecem no ME da USP – como chegar a uma síntese para avançar nas lutas?

A divisão do ME da USP em dois blocos que pouco dialogam entre si não é natural. As questões são bastante mais complexas que essa divisão e precisam ser analisadas de forma mais global. Assim como as respostas que o movimento precisa não virão através de uma polarização que não avança para nenhum tipo de síntese.
O ME da USP já teve vitórias suficientes e deve sair da greve e da ocupação? Ou ainda não conseguiu nada daquilo que reivindicava e precisa continuar na mobilização lutando para que as pautas iniciais sejam alcançadas?
Discursos derrotistas que não reconhecem os nossos avanços trazem acúmulo negativo para o movimento. Por outro lado não podemos afirmar que tivemos vitórias em todas as pautas. Não atingimos objetivos centrais, como as eleições diretas para reitor, mas vemos no congresso a oportunidade de pressionarmos novamente a burocracia universitária, com um movimento ainda mais forte, influenciado pelos avanços que estamos conquistando para obter essas vitórias. É importante analisarmos essas contradições mais detalhadamente antes de decidirmos sair ou não da greve, e em quais condições.
O movimento tem vitórias?
Antes de tudo, é importante uma análise precisa do momento em que estamos. O documento do acordo proposto pela reitoria traz alguns avanços concretos para o ME. Propuseram sobre pontos que constavam em nossa pauta e também sobre assuntos que são reivindicações históricas, mas que não apareceram entre os eixos atuais. Não pode haver dúvidas de que o simples fato de a reitoria sentar para negociar já é em si uma vitória, visto que isso não acontecia antes. Se fosse apenas isso, seria uma vitória pequena, que se referiria apenas ao reconhecimento da legitimidade que o movimento impôs à reitoria.
Mas conseguimos alguns pontos a mais, não somente a negociação. Conseguimos um Congresso, que não é aquele que queríamos, mas também não é aquele que a reitoria queria. Conseguimos um instrumento de união com o movimento dos funcionários através da vinculação do aumento das bolsas. Conseguimos promessas de reaver os blocos perdidos da moradia e de não demolição do NCN. E vários outros pontos que historicamente a reitoria se negava a conceder. Não tivemos a conquista completa dos eixos principais, mas não é verdade dizer que não tivemos vitórias.
É bastante provável que a reitoria, se aceitarmos o termo proposto, volte atrás e tente não cumpri-lo, ou imponha uma interpretação distorcida do acordo para que não precise se comprometer com alguns dos pontos. Isso, porém, é uma contingência do próprio momento em que estamos das lutas: a garantia não se dará de outra forma senão através da nossa aceitação do termo e da continuidade da mobilização posteriormente para cobrar o cumprimento. O fato de a reitoria poder não cumprir o prometido não tira o mérito das vitórias. Porém, o fato de termos vitórias não é tudo.
Qual o saldo que essa mobilização pode deixar?
Para conseguirmos cobrar o cumprimento dos pontos do termo e ainda avançar para mais conquistas, é importante termos força para, por exemplo, fazer um movimento da mesma magnitude ou maior que o que tivemos esse ano. A própria questão de a estatuinte ser ou não soberana vai depender, mais do que do acordo atual, da mobilização que tivermos no próximo ano, durante o CO que pode decidir sobre o novo estatuto. Ela é quem vai determinar se é o estatuto da comunidade USP ou se o do CO vai valer. Há alguns elementos que contribuem para aumentarmos essa força nas próximas mobilizações, outros que jogam contra.
Uma lista de vitórias importantes do movimento, ainda que não dos eixos centrais, ajuda a mostrar que a luta é efetiva e a combater os setores que são contra a mobilização. A lista de concessões proposta pela reitoria já ajudou o debate nesse sentido em muitos lugares e pode cumprir esse papel de mostrar que tivemos, sim, vitórias.
Por outro lado, punições dos envolvidos com a ocupação, assim como uma reintegração de posse violenta nessa altura das coisas, seria um fato que nos desmoralizaria e ajudaria o Rodas a se colocar no lugar a que foi chamado: de destruir o ME sem fazer concessões.
Como a reitoria joga
Nosso reitor conhece de alguma forma a dinâmica do movimento e foi colocado no cargo que hoje ocupa centralmente para pensar em como nos desarticular e destruir. Ele pensa muito bem em cada movimento que faz junto a nós. Apesar de nossa mobilização ter sido muito forte e em muitos momentos ter deixado a reitoria completamente perdida e sem saber o que fazer (como foi bem claro quando pediram a desocupação da torre do relógio), eles continuaram tentando nos derrotar mesmo depois que conseguimos alguns avanços.
Houve três movimentos coordenados da reitoria, que o movimento não percebeu com clareza.
Um deles foi fazer uma lista de propostas de concessão que dividiria o movimento. A reitoria tenta dividir os dois setores que em 2011 estavam separados e que, por isso, permitiram que o choque entrasse aqui para uma reintegração de posse extremamente violenta. Para isso, fez uma lista de propostas muito boas, juntando reivindicações atuais parcialmente atendidas com reivindicações históricas, ao mesmo tempo em que se esquivou de tomar posição sobre pautas centrais, que foram a da repressão e da soberania da estatuinte. Claramente isso poderia dividir o movimento.
Os outros dois movimentos foram: ao mesmo tempo em que fez a proposta colocada, voltou a negar qualquer negociação; e pediu novamente a reintegração de posse do prédio ocupado. A divisão do movimento e uma reintegração violenta podem fazer com que as vitórias tenham um peso menor ou até retrocedam.
Portanto, é central que nesse momento nós combatamos essa divisão em dois grupos antagônicos, e que dialoguemos de forma a avançarmos juntos para consolidar as conquistas que temos. A luta política é um local em que a legitimidade e a moral de cada lado perante o senso comum pode valer mais do que a quantidade ou o tamanho dos avanços sobre o adversário. Em um jogo de futebol fazer o último gol, no final do jogo, dá algum moral ao time, mesmo que esteja perdendo. Na nossa disputa com o Rodas, não podemos dar a ele a vantagem de fazer um gol aos 45 do segundo tempo.
Como consolidar as conquistas?
Estamos em um momento difícil. Ao mesmo tempo em que temos uma vitória suficientemente grande para sairmos da greve e da ocupação, há ainda um ponto que não foi atendido, sem o qual o movimento corre um grande risco de perder muito no próximo período e de não ter tanta força nas próximas mobilizações: a pauta das punições. Quando uma greve está completamente capenga e sem força, não temos opção senão encerrarmos o movimento sem garantias de não punição. Não é o caso atual.
A mobilização em que estamos arrancou concessões antes quase impensáveis da reitoria e, apesar de muitos cursos terem saído da greve, a mobilização continua, assim como o apoio às ações do movimento. A fraqueza terminal não é um motivo para não brigarmos pela garantia de não punição. Sair da greve e da ocupação com a o termo atual assinado e com um termo de não punição seria hoje o único movimento que poderia fortalecer uma promessa de voltarmos no próximo ano.
Ora, mas com o movimento dividido entre dois lados – um que ignora as conquistas que tivemos e outro que ignora a importância de um termo de não punição para a continuidade das lutas – não conseguiremos avançar para esse ponto necessário. Além disso, a própria divisão do movimento nessa disputa sem diálogo e sem disposição para chegar a uma síntese ajuda na desmoralização de toda a nossa luta.
Devemos, nesse momento crucial, mostrar à reitoria que estamos juntos e, garantindo o termo já proposto, condicionar a saída da greve e da ocupação à garantia da não punição.

· Consolidar as conquistas já obtidas pelo movimento para podermos avançar! Preparar uma mobilização no próximo ano para obrigar a reitoria a reconhecer a estatuinte da comunidade USP como soberana!
· Unificar o movimento e continuar a mobilização até que a reitoria garanta a não punição dos lutadores!

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

País de uma Nota só!

Na noite de 4 de Novembro de 1969, há 44 anos atrás, os agentes da ditadura assassinavam Marighella. Carlos Marighella foi um importante militante comunista que lutava pela classe trabalhadora e chegou a ser uma das principais figuras da resistência à ditadura, chegando a ser inimigo número um do regime.

Em homenagem a este grande lutador trazemos um poema de sua autoria.

País de uma Nota Só

Não pretendo nada,
nem flores, louvores, triunfos.
nada de nada.

Somente um protesto,
uma brecha no muro,
e fazer ecoar,
com voz surda que seja,
e sem outro valor,
o que se esconde no peito,
no fundo da alma
de milhões de sufocados.
Algo por onde possa filtrar o pensamento,
a idéia que puseram no cárcere.

A passagem subiu,
o leite acabou,
a criança morreu,
a carne sumiu,
o IPM prendeu,
o DOPS torturou,
o deputado cedeu,
a linha dura vetou,
a censura proibiu,
o governo entregou,
o desemprego cresceu,
a carestia aumentou,
o Nordeste encolheu,
o país resvalou.

Tudo dó,
tudo dó,
tudo dó...

E em todo o país
repercute o tom
de uma nota só...
de uma nota só... 

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Não à repressão e criminalização do movimento!

Por Felipe Alencar, Coletivo Construção São Paulo, DCE Unifesp e Centro Acadêmico de Pedagogia da Unifesp


Policial dispara tiros de bala de borracha 
contra manifestantes durante protesto de 13
de junho. Foto: Bruno Santos / Terra
As jornadas de junho mostraram a toda uma nova geração de lutadores que nossa intervenção direta nas ruas pode trazer resultados e garantir transformações. Ainda que tenhamos muitas vitórias herdadas de junho, temos que tirar lições para termos uma luta cada vez mais unificada e uma pauta mais clara, para avançarmos.
Como parte dessas lições, podemos ver a onda de repressão contra vários setores do movimento que prosseguem na luta, como os professores do Rio de Janeiro, assim como no período da Copa das Confederações, os conflitos na Aldeia Maracanã, e as próprias jornadas contra o aumento da passagem em vários estados, Brasil afora. Toda essa repressão significa desespero dos governos, para tentar conter a qualquer custo a nossa insatisfação.

Por que o Estado reprime?
Um aprendizado que tiramos é que o ascenso das mobilizações provoca dois tipos de reação nos governos, quando percebem o crescimento de uma ofensiva massificada de oposição:
1)    optam pela cooptação, procurando iludir o povo e convencê-lo de mentirosas medidas reformistas para ganhá-lo para o seu lado, esfriando as lutas. Nisso, podemos ver o papel que a UNE tem cumprido, quando se coloca como voluntária à Copa do Mundo, que só trouxe remoções forçadas de moradias, especulação imobiliária, acordos absurdos de relação público-privado, e a contratação de vários policiais para garantir a “segurança do evento”;
2)    simplesmente aplicam medidas antidemocráticas, herdeiras de governos totalitários, como a repressão e a criminalização contra aqueles que lutam.

Isso nos faz pensar que, quando não consegue cooptar setores do movimento para ficarem bem comportadinhos, do outro lado da trincheira, a opção dos governos é simplesmente dar um show de repressão com o dinheiro que deveria ir para educação, saúde, transporte, cultura e moradia, mas que na verdade, quando não fica nos caixas de banqueiros, financia a militarização da polícia: gás lacrimogêneo, tanques, Tropa de Choque, bombas de efeito moral, armas de bala de borracha etc.

Quem o Estado reprime?

Uma coisa a esclarecer é que o Coletivo Construção discorda da velha lorota de que há um golpe militar ou um golpe fascista. O que acontece é que os Governos estão tremendo na base, por verem que o movimento avança e quanto mais repressão, mais combativo ele fica.
O estudante Vitor Araújo fazia a cobertura de um ato
quando foi atingido no olho direito por estilhaços
de uma bomba lançada pela polícia. Foto: Mídia Ninja
Somos contra todo tipo de repressão a qualquer setor do movimento, mas é importante observar que as organizações reprimidas são aquelas que são contra a ordem estabelecida. Seja o Black Bloc, movimento popular, trabalhadores em greve e a juventude que vai às ruas para protestar.
E o Estado, dominador de vários aparelhos ideológicos, usa suas máquinas para que sejam forjados os discursos que distorcem a pauta do movimento para a população. A própria mídia burguesa corporativista transmitiu, com bastante sensacionalismo, que a agenda de muitas prefeituras tem sido solicitar o expediente da Polícia Militar, instituição resquício da ditadura, para atuar na repressão e dispersão dos movimentos. Após também ter sido atingida pela PM, a imprensa, que antes nos taxava de grupos ‘radicais’, ‘vândalos’ e ‘baderneiros’, passou a publicizar a violência policial. Tal mudança de discurso, é claro, durou pouco e logo se ‘readequou’ aos moldes da sociedade a que ela serve para manter.

Por um Encontro Nacional dos Movimentos que organize a luta contra a repressão!

Família do Amarildo, Pedreiro torturado e
 assassinado pela polícia da UPP da Rocinha.
O momento atual é de termos unidade nos setores combativos, para construirmos um grande Encontro dos Movimentos, em que um dos eixos seja a luta contra a repressão e a criminalização. O Coletivo Nacional Construção coloca a disposição para a unidade.
A luta contra a repressão e o debate sobre a criminalização dos movimentos é imprescindível para que se garanta a unidade e a continuidade das lutas: muitos ativistas de movimentos populares e coletivos de esquerda combativos prosseguem sendo duramente reprimidos, presos, perseguidos e até ameaçados de morte.
Precisamos orientar nossas lutas não somente para questionar a contraditória “democracia” na sociedade brasileira, que mata Ricardos, some com Amarildos e atualmente reprime os trabalhadores da educação no Rio de Janeiro, e que funciona para garantia dos privilégios de poucos.
Devemos incluir em nossas palavras de ordem que lutar não é crime, combatendo este golpe de repressão e criminalização contra aqueles que se organizam para lutar, pelos que morrem, pelos que somem e por tantas outras indignações. Continuaremos lutando!!!
  • Por um Encontro Nacional dos Movimentos, pela unidade dos que lutam!
  • Não à criminalização dos movimentos sociais!
  • Pela desmilitarização da polícia, já!

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

USP em Greve

Há pouco mais de uma semana, o movimento estudantil da USP decretou greve mais uma vez. Mais uma vez? O que será que tanto incomoda a esses estudantes a ponto de paralisarem suas aulas, incorrendo em todos os ônus que essa medida acarreta no calendário escolar?
A tal da democratização das instâncias de poder da USP está em pauta há pelo menos 30 anos e em nada avançou. Se a abertura democrática de 85 possibilitou o retorno à participação política civil (mesmo que restrita às contradições da democracia burguesa), a USP ainda permanece com um funcionamento administrativo digno de ditadura militar, mantendo em seu regimento, inclusive, decretos de caráter autoritário implementados durante o regime. 
De tal maneira, não só a comunidade universitária em sua maioria é excluída do poder decisório dos rumos da universidade, como também uma sociedade inteira que a sustenta. Como pode ter orientação socialmente funcional se a universidade, pública por financiamento mas elitista por princípio, não incorpora as demandas sociais e negligencia a relevância política dos interesses da população no que tange ensino, pesquisa e extensão? A luta do movimento estudantil é, antes de qualquer pauta elencada em assembleia, uma luta unificada por uma concepção de universidade subversora da ordem estabelecida - essa, que obedece criteriosamente à manutenção da sociedade de classes, garantindo o privilégio de uns em detrimento da miséria de outros.
A defesa dessa concepção deve questionar, necessariamente, todos os aspectos de como a USP é hoje, uma das universidades mais excludentes e conservadoras do país. Desde as políticas de acesso e permanência até as cadeiras no Conselho Universitário reservadas a fundações de caráter privado, a tarefa da democratização da USP deve ir para além do discurso retórico e contar com medidas efetivas e propositivas.
Ninguém, de direita a esquerda, discorda da imperiosidade da democracia como meio de regimento social fundamental. Tal conceito, ou mera palavra para uns, é "carne de vaca" do discurso político, pressuposto de credenciamento e legitimação perante a quem se pretende convencer. Considerando tamanha superficialidade e generalização de emprego, qual é a democracia que queremos? Certamente, não é a da mídia burguesa.
Estadão, Veja e Folha usam como principal argumento para manipulação da opinião pública contra o movimento estudantil uspiano a suposta "falta de democracia" que há na reivindicação pelo fim da lista tríplice. Para eles, o governador, eleito pela população, deve escolher o reitor da USP - já que empoderado por um sistema político representativo. O que eles não entenderam - ou fingiram não entender - é que há um abismo entre a democracia deles e a nossa. Demandamos a participação direta como exercício político realmente democrático. E somos nessa reivindicação até um tanto legalistas, pois nos adequamos ao princípio constitucional da democracia nas instâncias de poder das instituições públicas.
Há, porém, um descompasso atual que precisamos ajustar de acordo com a concepção que defendemos. A pauta do governo tripartite é um avanço em relação ao reitorado, mas ainda se restringe a um grupo restrito: o dos que ocupam cargos e vagas conquistados em um sistema de seleção rigoroso e elitista. É preciso avançar para a incorporação da sociedade, dos movimentos sociais, no cotidiano da universidade se queremos democratizá-la de fato, na complexidade do que isso significa. Para tanto, devemos abranger a paridade para esse quarto setor, dando-lhe voz ativa em uma instituição que lhe é cara, e sua. 

Para que, enfim, a universidade possa de fato ser chamada de "pública".

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Manifestação da Revolta do Busão (Natal-RN) é marcada por violência gratuita da PM.

Eles encurralaram a gente. A gente foi encurralado o tempo todo.”
Lenny Grilo, militante do Coletivo Construção de Natal, 
escreve um relato sobre a manifestação da Revolta do Busão dia 19.07.


     Lembro que cheguei às 16h30 mais ou menos, a concentração acontecia ao lado do shopping Via Direta, como de costume. A galera fazendo cartazes, puxando palavras de ordem, até que aos poucos trancamos as duas vias da BR.

     Enfim, começamos a caminhar. Nós tínhamos duas opções: seguir pela Salgado Filho, ou subir o viaduto e pegar pela Prudente de Moraes. A decisão tomada foi de subir o viaduto, já que de outras vezes fomos encurralados debaixo do viaduto do centenário e a policia brincava de nos massacrar. Subimos pelo viaduto. Lembro da sensação de já esperar o pior lá na frente. Os policiais já começavam a se organizar pra entrar em ação, queriam apenas alguém, alguma coisa, algum motivo. Com a tensão que a policia provocou a nos esperar do outro lado do viaduto e com a presença ilustríssima do estádio ARENA DAS DUNAS - o mais novo elefante branco da cidade, que com placas de “ISSO TUDO É PRA VOCÊS” pedia pra ser atingido de alguma forma, começaram algumas ações diretas – alguns manifestantes começaram a jogar algumas pedras, apenas.

     A policia com toda sua eficiência de criminalizar o movimento procurava alguém à ser detido e conseguiram levar dois. A cena foi patética: mais de 15 policiais levando dois manifestantes. Passado o tumulto, seguimos. Pegamos a direita do estádio, entramos na Prudente de Morais, demos a volta pra chegar na Hermes, evitando que a PM nos encurralasse. Caminhávamos para a Câmara Municipal de Natal, e eu sentia uma sensação horrorosa de ataque surpresa, afinal, estávamos indo pra um lugar da cidade pouco movimentado e a PM facilmente nos trucidaria sem que ninguém visse.   
Extraído do Tribuna do Norte

     Seguimos. Um pouco depois do Shopping Midway, que recentemente teve suas vidraças destruídas, estava a clinica do Sr. Albert Dickson, oftalmologista e presidente da câmara dos vereadores. Um dia antes, esse vereador ordenou que a guarda municipal retirasse a força alguns manifestantes que ocuparam pacificamente a Câmara Municipal de Natal - as cenas foram marcadas de truculência envolvendo agressões de mulheres e ataques animalescos, assustadores, absolutamente desnecessários e gratuitos, considerando que no momento em que começaram a tirar os manifestantes eles estavam terminando de fechar um acordo com o tal presidente. Enfim, não vi o estado em que a clinica ficou, mas disseram que ela estava abaixo. Uma pena (risos). 

     Seguimos pela Hermes, indo de encontro aos ataques mais fortes. Não lembro exatamente onde tudo começou, eu só consigo me lembrar do tumulto, de ver a tropa de choque partindo pra cima; todo mundo correndo, uma hora estavam a nossa frente, outra hora estávamos sendo atacados pelas costas, eles estavam por toda parte! Minha lembrança mais nítida é a do desespero de perder minhas companheiras de vista, delas ficarem soltas naquele cenário de pânico, de alguém se machucar, ainda mais.  

     Eles jogavam bombas de gás lacrimogêneo pro alto, e corriam atrás de nós,  nos protegíamos como dava: atrás de carros, em postos, e tentávamos ficar unidos, na medida do possível. Perdemos companheiros de vista em vários momentos. Vimos pessoas chorando, gente desmaiando, passando mal do gás que eles jogavam aos montes. Muitas vezes,  os policiais se colocam em formação e pareciam sem saber pra onde ir, ziguizagueando, confusos, jogando bombas pra cima, bombas que caíam em arvores, talvez tenham caído dentro das casas... não era possível entender aquilo como uma ação organizada.

     Os manifestantes já estavam todos dispersos, vários grupos se dividiram, alguns partidos se retiraram, era gente pra todo lado. Ficamos em um grupo que seguiu pela Rio Branco, Centro da Cidade, que teve lojas e bancos destruídos. Nesse momento a policia não estava por perto, mas quando chegamos próximos a rua estreita, a PM aparece aos montes! Carros e carros, mais uma vez, tentando encurralar os manifestantes, nós conseguimos fugir, e depois tentamos encontrar outros grupos. Paramos em um bar, que era em outro beco, a policia mais uma vez deu as caras. Revistou as bolsas dos rapazes, e ainda levaram dois detidos. Saímos desse bar e seguimos... Encontramos outro grupo, numa praça, e eles nos disseram que havia cerca de 200 manifestantes em frente a Câmara, decidimos então seguir. Quando chegamos vimos um ônibus do BOPE, um ônibus! E muitos carros da policia. Alguns manifestantes estavam sentados no chão, outros cantando, outros averiguando a situação, analisando os riscos de ficar ali. Pouco tempo depois os carros do BOPE e da PM se multiplicaram de uma forma absurda.

     A Câmara estava cercada de tapumes e cerca elétrica, inviabilizando que ocupasse. Com receio de ficar ali e a polícia atacar novamente, avaliamos que era melhor ir embora, já nos preparando para as próximas lutas que certamente virão. Para além das pautas já delimitadas pelo movimento Revolta do Busão, é imprescindível que lutemos contra a criminalização dos movimentos sociais. De nossos governantes esperamos respostas quanto às reivindicações legítimas de saúde, educação, moradia, segurança e transporte, e não que se escondam atrás de seus cães de guarda. A truculência da polícia presente hoje pelas ruas da cidade não devem ser toleradas ou tornar evento cotidiano. Desmilitarização JÁ!

"E é porque amo as pessoas e amo o mundo, que eu brigo 
para que a justiça social se implante antes da caridade”. 
Paulo Freire

domingo, 9 de junho de 2013

Contra o monopólio das carteirinhas estudantis!


Em defesa do direito à meia-entrada!

      Dia 24 foi aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados o projeto de lei 4571/2008 que tange o direito a meia-entrada estudantil em espaços culturais e esportivos, seguindo para aprovação no Senado.
     O projeto, que tem apoio da União Nacional dos Estudantes (UNE) representa um retrocesso nos direitos estudantis no país, pois o PL define que somente terão acesso à meia-entrada estudantes que possuírem a carteirinha estudantil produzidas pela UNE, UBES (União brasileira de estudantes secundaristas) ou ANPG (associação nacional de Pós-graduandos). 
      O estudante hoje, por cauda da Lei 13964/02, consegue meia-entrada em shows, cinemas, teatros e outras atividades apresentando apenas um certificado de que está estudando (quase sempre cedido gratuitamente pelas instituições de ensino), ou uma carteirinha da universidade que é gratuita e vale pelo período da graduação/pós-graduação. Mas se esta lei for aprovada o estudante precisará pagar pelo
menos R$20,00 no ano (preço atual da carterinha). O preço pode não pesar no bolso de alguns estudantes, porém representa um retrocesso em uma conquista da juventude, que teria que começar a pagar pelo que lhe é assegurado por lei!
      Hoje diversos setores combativos do movimento estudantil estão na luta contra a mercantilização de direitos como a educação, a saúde e transporte. Na contramão disso, este projeto, apoiado pela UNE, busca implementar uma lei que mercantiliza também a cultura brasileira, além de restringir o acesso, afinal, quem não tem como pagar os R$20 anuais, não conseguirá ir a shows, teatro, cinema, etc.
       Obviamente este apoio da UNE não é a toa. Com o monopólio das carterinhas para comprovação do status de estudante a captação de recursos da entidade iria aumentar astronomicamente. Em nome deste lucro, a entidade está apoiando o projeto, pensando no próprio bolso e não nos estudantes do país.
Outro problema grave do projeto de lei é que ela instituiria um piso de 40% dos ingressos com valor de meia-entrada. Segundo a lei atual todo estudante tem o direito de pagar metade do valor pelo ingresso, se 100% do público do evento for de estudantes, todos pagarão 50%. Porém com a lei, somente os primeiros 40% irão conseguir pagar a meia-entrada. Além disso, será extremamente difícil fiscalizar se foram realmente deixados a disposição 40% dos ingressos para os estudantes.
      É preciso criar a resistência a este projeto e dizer que ele não representa o interesse estudantil, mas sim a ganância da direção burocratizada da UNE e dos capitalistas que lucram com a produção cultural. É preciso uma campanha unificada dos estudantes em luta para barrar este ataque aos estudantes. Hoje a cultura já é cada vez mais mercantilizada e este PL dificulta ainda mais o acesso do estudante à cultura.

• Pelo acesso à cultura por toda a juventude!
• Contra o PL do monopólio das carteirinhas!
• Contra a mercantilização da cultura!
• Contra a atual direção majoritária da UNE que não representa os reais interesses dos estudantes!

terça-feira, 14 de maio de 2013

Moção contra o despejo da Ocupação Tijolinho Vermelho – Terra Livre no centro de JoãoPessoa/PB



     Moção contra o despejo da Ocupação Tijolinho Vermelho – Terra Livre no centro de JoãoPessoa/PB
Nós, Coletivo Construção – Coletivo de juventude estudantil e trabalhadora, repudiamos a reintegração de posse da Ocupação Tijolinho Vermelho, onde vivem 200 famílias que estão dando função social e preservando o prédio abandonado há mais de 10 anos, o antigo Hotel Tropicana. São famílias de baixa renda que não têm onde morar e com alta vulnerabilidade social. A União, autora da reintegração, deve destinar o prédio para moradia.
     Um prédio que ficou abandonado por mais de 10 anos no centro de João Pessoa foi ocupado a mais de 20 dias por famílias de diversos bairros dessa cidade. É a ocupação Tijolinho Vermelho. São famílias que entenderam que apenas dessa maneira, ocupando, conquistarão seu direito a moradia. Isso porque há anos aguardam nas ruas, em casas alugadas a elevados preços, ou em áreas de risco, serem contempladas por programas habitacionais, estes insuficientes para a grande demanda habitacional do país.
      No dia 08 de maio de 2013, a Secretaria do Patrimônio da União, em reunião com as famílias ocupantes, deixou claro que fará reintegração de posse do prédio. Mesmo sabendo que as famílias, constituídas por mulheres grávidas, idosos, deficientes físicos, dezenas de crianças, em extrema vulnerabilidade social, não tem local para ir após a reintegração. Não lhes foram oferecidas alternativas. Apenas o despejo foi a solução colocada pela superintendente Daniella Bandeira.
      Estamos com o apoio da Defensoria Pública da União. E mesmo com todas as forças jurídicas de atuação deste órgão, sabemos o quanto é difícil vencer o argumento do Estado e impedir a reintegração: “um bem da União foi violado e devemos retomar sua posse”, desconsiderando as violações aos direitos humanos. Sem considerar que agora o prédio exerce uma função social. Que agora as famílias têm um local para residir e viver.

Precisamos que esta reintegração seja barrada!
Reivindicamos:

1) Que não haja reintegração de posse.
2) Que o prédio seja destinado a fins de moradia.
3) Que venha recursos do Governo Federal para a reforma do prédio ou auxílio moradia enquanto suas moradias estejam em construção.

Que nossos companheiros de luta de sindicatos, movimentos populares e partidos apoiem a ocupação Tijolinho Vermelho, com iminência de despejo.

domingo, 31 de março de 2013

COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE: LIMITES E CONTRADIÇÕES


Por Priscila Manfrinati, estudante de História da USP, militante do CAHIS USP, FEMEH e COLETIVO CONSTRUÇÃO.

Se, na data de hoje, militares e saudosistas comemoram um golpe de estado criminoso, cujos agentes assassinaram, torturaram e exilaram centenas de militantes no país, para nós esse é um dia de memória e resistência. Memória porque a luta dos que tombaram lutando por uma sociedade justa e igualitária é também a nossa luta, e porque o legado dos nossos militantes perdidos contribui para a urgência das nossas tarefas históricas. Resistência porque os resquícios do regime militar brasileiro são sentidos até hoje nessa falsa democracia em que vivemos, onde movimentos sociais são criminalizados, a polícia agride e mata, os meios de comunicação são monopolizados.
Durante os anos subsequentes à abertura democrática, o país viveu um profundo silêncio sobre o período ditatorial por parte dos governos. Com a aplicação da Lei da Anistia, torturadores e torturados foram igualados juridicamente, não houve conformação de discurso oficial do Estado, os arquivos do DEOPS e demais aparelhos burocráticos permaneceram lacrados. O pouco repercutido sobre o período se deve às contribuições de sobreviventes, produções cinematográficas, obras literárias e demais meios civis de circulação.
A reivindicação do acesso aos arquivos da ditadura foi campanha permanente da FEMEH – Federação do Movimento Estudantil de História – desde sua fundação em 1987 e significava, de fundo, uma luta pelo direito à verdade. Houve um avanço na última década no acesso aos arquivos, que vêm sendo gradativamente disponibilizados pelo país afora e em 2012, a campanha mudou seu nome (e abrangência histórica e política) para “Pela memória, verdade e justiça, contra a criminalização dos movimentos sociais”.
No fim do primeiro ano do governo Dilma foi criada a Comissão Nacional da Verdade. Esse órgão, sem autonomia financeira e submetido ao gabinete da presidência, é composto por membros escolhidos diretamente pela presidente e tem a função de investigar os crimes cometidos pelo Estado entre 1946 e 1988, período que compreende a ditadura civil-militar brasileira. Entendida por muitos como um compromisso da presidenta com o seu passado militante e, mais além, com a pauta dos direitos humanos no Brasil, a Comissão tem inúmeras problemáticas e deve ser analisada dentro de um complexo jogo de interesses.
Um dos objetivos principais do governo Lula no âmbito das relações internacionais foi a conquista de uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU. No entanto, as Cortes Interamericanas vetaram a participação brasileira no órgão.
Há mais de 20 anos depois do que chamamos de 'abertura democrática', a história da ditadura civil-militar ainda está diluída no discurso de diversos setores da sociedade que têm leituras divergentes sobre o período e o impacto do regime no Estado democrático de direito. Ainda sem discurso oficial, o Estado brasileiro precisaria revirar os esquecidos arquivos do período da ditadura e, por exigência das Cortes, apresentar uma versão consolidada sobre o período perante a sociedade. A criação da Comissão veio, então, no sentido de adequar o Estado brasileiro à concepção de Estado imposta pelas Cortes, que possuem políticas rígidas contra modelos totalitários de governo.
De caráter estatal e não popular, a Comissão tem graves limitações. Sua composição é alheia à militância histórica dos movimentos sociais em torno das causas dos presos e torturados pelo regime: não aglutina, para além da formalidade, as intervenções da população em torno desse assunto polêmico. Para além disso, tem caráter explícito e declarado de “reconciliação nacional”. O projeto de lei de sua criação foi formatado em comum acordo com os chefes das Forças Armadas e, não só não pretende revisar a Lei da Anistia e punir os torturadores, como não tange o caráter civil da ditadura militar, deixando imaculadas tantas empresas e indústrias - relegando suas contribuições ativas ao regime militar ao esquecimento.
“Pela memória, verdade e justiça” - A Comissão abrange a memória de alguns, relativiza a verdade e simplesmente se abstém da justiça. Tamanha diplomacia com os setores militares abre margem para o fortalecimento e ameaça de insubordinação, tal como já ocorrido no governo Lula. A articulação de um movimento de criação de uma “comissão paralela” no Clube Naval sem medidas punitivas por parte do Ministério da Defesa comprova uma docilidade perigosa do governo com as Forças Armadas. E vai na contramão das reivindicações sociais em torno do assunto.
Esses limites todos não são inerentes à condição institucional da Comissão. Órgãos à imagem e semelhança da CNV foram criados em outros países sul-americanos e, como ocorrido na Argentina e no Uruguai, chegaram a condenar à prisão perpétua torturadores já bem idosos. Na semana passada, foram 12 as condenações argentinas em processos sobre os crimes do regime. É extremamente simbólico que, no mesmo país, a antiga ESMA – Escola Superior da Mecânica Armada –, principal centro militar da repressão argentina, foi transformada em um enorme complexo cultural dedicado à memória, enquanto a paulistana Rua Tutóia continua a abrigar uma delegacia de polícia. A superficialidade das iniciativas governistas nessas questões expõe até onde se dá o comprometimento do governo Dilma com a causa histórica dos direitos humanos e os direitos democráticos no Brasil.
Se, por um lado, os governistas e os iludidos comemoram o ato de restituição simbólica dos mandatos dos deputados e senadores cassados à época da ditadura e a mudança do obituário de Herzog por outro ainda inadequado (visto que morte em decorrência de tortura não é o mesmo que morte em decorrência de maus tratos), os torturadores e colaboradores da ditadura permanecem livres e vivem normalmente. A não intervenção nos conflitos no campo, a ação violenta da Marinha no Quilombo Rio dos Macacos, as repressões aos trabalhadores em greve nas obras do PAC e aos estudantes em mobilização nacional por melhores condições universitárias, e a promulgação da Lei Geral da Copa mostram que o estado de exceção não foi superado e não é exclusivo do passado. O modus operandi da polícia brasileira é herdeiro da ditadura bem como as repressões ao direito de livre manifestação.
Vale ressaltar, em momento de desocupação da Aldeia Maracanã e de preparação do país para o turismo esportivo, que uma das permanências é também na questão indígena. Um dos casos discutidos durante o Tribunal Popular da Ditadura organizado pela FEMEH em seu último Encontro Nacional, a questão indígena na ditadura, evidenciou ações de extermínio em aldeias inteiras praticadas pelos militares. O material recolhido pela executiva de curso foi encaminhado para a CNV e entrou como campo de investigação dos pesquisadores. Esperamos que o relatório final da Comissão, previsto para o primeiro semestre de 2014, contemple os casos indígenas. Mas, imediata e principalmente, nos indigna a situação social dos indígenas destituídos de seu terreno sagrado de maneira brutal, desumana e policialesca nos episódios da última semana, bem como o desrespeito pela história e cultura do nosso povo demonstrado na mesma. Exigimos a reparação histórica, a memória, a verdade dos oprimidos, a justiça, o fim do racismo ambiental.
Enquanto todas essas práticas se perpetuarem livremente e os torturadores continuarem impunes, todo e qualquer órgão memorial será infrutífero para a sociedade de conjunto. Contra a criminalização dos que lutam hoje e os que resistiram no passado, em memória dos que tombaram por uma sociedade justa e igualitária, reivindiquemos uma história militante e construída na base dos movimentos sociais.


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