Entre os dias 15 e 20 de
novembro de 2012 aconteceu na UFRRJ a décima edição do ENUDS (Encontro Nacional
Universitário de Diversidade Sexual). O encontro reuniu em torno de 800
participantes, e dezenas de coletivos universitários de diversidade sexual e de
luta contra a homofobia de vários estados e universidades do Brasil.
O encontro surgiu da ideia de se construir um
espaço de discussão das questões que giram em torno da diversidade sexual no
âmbito da academia e do movimento estudantil. Em 2003, no 49° Congresso da UNE
em Goiânia, um grupo de estudantes se mobilizou para aquele que foi chamado de
“Ato CONUNE”, que teve como objetivo denunciar a homofobia existente dentro do
movimento estudantil. Como resultado dessa articulação, em novembro do mesmo
ano foi realizado na cidade de Belo Horizonte o primeiro ENUDS.
A necessidade de se discutir a
questão da diversidade sexual na universidade justifica-se pelo papel
historicamente jogado por esta instituição na opressão de gênero e de LGBTT’s.
Seus saberes hegemonicamente produzidos quase sempre relegaram às sexualidades
não normativas um lugar de desvio patológico, que se reproduz também no
cotidiano universitário desse público, que enfrenta aparatos institucionais
dentro da universidade que muitas vezes os/as ataca brutalmente em sua
orientação sexual e sua identidade de gênero.
O movimento estudantil,
contudo, também não apresenta ainda
avanços substanciais nesse debate, onde vemos se reproduzir, em muitos espaços
de organização e militância, o mesmo machismo, lesbofobia, homofobia e
transfobia presentes na sociedade como um todo. O ENUDS, nesse sentido, vem se
construindo na perspectiva de fomentar esse debate, estimulando a discussão e a
difusão acadêmica de saberes contra-hegemônicos, e potencializando o movimento
de diversidade sexual dentro do movimento estudantil. Para isso, a construção e
o fortalecimento de coletivos universitários de diversidade sexual nas
universidades vem sendo apontado, na trajetória do ENUDS, como um caminho para
a efetivação desta luta na universidade.
No X ENUDS o número de
coletivos presentes girou em torno da casa de vinte coletivos. O sudeste é a
região que mais grupos levou ao encontro, cujo estado de Minas Gerais apareceu
articulado em uma rede universitária que aglutina cinco coletivos. O estado de
Goiás esteve presente com o grupo Colcha de Retalhos, que se organiza na UFG, e
participantes independes de cursos da UFG e outras faculdades do estado.
A décima edição do encontro
teve como tema “práticas de resistência e enfrentamento: corpo, política,
discurso e poder”, e teve importantes debates em torno da questão da homofobia,
da transfobia, da lesbofobia e do machismo, indicando um contexto universitário
e social em que as relações ainda são extremamente reprodutoras de opressões
diversas, e sinalizando que ainda são imensos os desafios para aqueles a
aquelas que lutam por uma universidade que de fato se constitua como espaço
justo e livre de opressões.
Contudo, apesar do encontro ser
bem politizado, e possibilitar o compartilhamento de saberes e ações realizadas
pelos coletivos em seus estados, muitos parecem ser os limites ainda da
contribuição dele no fortalecimento da luta da diversidade sexual dentro do
movimento estudantil e da sociedade. A disputa política do encontro não é tão
intensa, exceto em momentos específicos como a plenária final e os grupos de
trabalho que discutem os rumos e perspectivas do próprio encontro.
Os pontos de maior tensão e
disputa se concentram nas questões relativas à organização do próximo encontro.
Os espaços de compartilhamento de experiência dos coletivos e militantes são
ainda muito pouco aproveitados. Nesta última edição um espaço de troca de
experiências foi viabilizado, mas ficou limitado a um relato das ações de cada
coletivo em seu estado, sem a discussão, questões e troca de sugestões entre os
coletivos, que pudesse se dar no sentido de contribuir para o avanço e o
fortalecimento desses grupos. Na edição anterior, sequer esse espaço existiu. Os
espaços de maior participação continuam a ser as mesas redondas, que
infelizmente apresentam-se de forma bastante verticalizada.
Assim, podemos trazer alguns
pontos positivos e alguns problemas do encontro que devem ser discutidos. O
ENUDS vem se construindo enquanto um espaço riquíssimo de discussão e de
contra-hegemonia no espaço opressor da universidade. Contudo, se a ideia dele é a de fomentar e
fortalecer o movimento de diversidade sexual na universidade, no movimento
estudantil e na sociedade, parece que existe ainda muito em que se avançar.
As opressões, não apenas contra
LGBTT’s, mas contra negras e negros, mulheres, idosos fazem parte da lógica de
dominação da sociedade de classes. No capitalismo, o machismo, o preconceito
contra LGBTT’s, o racismo atuam segregando e fragmentando a classe
trabalhadora, aumentando os efeitos da dominação da burguesia sobre ela. Nesse
sentido, a luta consequente dos movimentos de diversidade sexual deve
necessariamente pautar a luta contra a lógica desse sistema.
Para isso, é fundamental que a
questão da diversidade sexual seja pensada a partir de uma análise profunda das
determinações sociais que produzem as normatividades de gênero, orientação
sexual, e o preconceito e violência contra as LGBTT’s. Essas determinações tem
estreita ligação com a sociedade capitalista, que precisa ser transformada para
que condições plenas de liberdade para todas e todos seja realidade.
O ENUDS, ao vir se apresentando
ainda muito preso à sua própria estrutura e metodologia, subutilizando espaços
horizontais como o da troca de experiências, e minimizando reflexões que
articulem diversidade sexual e sociedade de classes, tem se mostrado como um
espaço que ainda tem muitos desafios a
enfrentar numa luta consequente pela livre expressão da diversidade sexual.
Se a ideia dele é a de fomentar e fortalecer o
movimento de diversidade sexual na universidade, no movimento estudantil e na
sociedade, parece que existe ainda muito em que se avançar. Para que isso possa
ser potencializado, o encontro não pode se limitar em si mesmo, deve construir
para além, para fora, para o dia a dia da luta em cada estado.
Nesse sentido, investir nos
espaços horizontais como o da troca de experiências, e em um planejamento
coletivo de ações e discussões para os grupos em cada estado, respeitando-se, é
claro, a especificidade de cada um, talvez fosse um caminho para o
fortalecimento desta luta e para o enfrentamento das normatividades sexuais e
de gênero na universidade e na sociedade.
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