Por André Ferrari
Impressionante a omissão cúmplice da imprensa
diante do que aconteceu no metrô de São Paulo hoje. Por isso, dou meu
testemunho. Cheguei na estação Sé ontem pouco antes das 20 horas. Normalmente
nessa hora é possível pegar o metrô no sentido Leste mantendo-se o mínimo de
dignidade humana. Gado mesmo você se sente uma ou duas horas antes. Na
escadaria, descendo para a estação, vi que havia problemas. Muita gente saia ao
invés de entrar. Lá embaixo, do lado de fora das roletas, milhares de pessoas
feito barata tonta. Do lado de dentro, na plataforma de embarque sentido
Itaquera, o caos instalado. Milhares e milhares amontoados supostamente
esperando o trem, muitos aguardando há horas. Ok, já vi essa cena antes algumas
vezes. Mas, dessa vez a gota fez o copo transbordar.
O
que vi depois, pra mim pelo menos, foi inédito, principalmente tratando-se do
metrô. Quantas vezes espremido no chiqueirinho da plataforma imaginei quem
atiraria a primeira pedra ou chutaria a primeira lataria, quebraria o primeiro
vidro e em segundos tudo viria abaixo. Dessa vez já tinha visto cacos de vidro
e painéis danificados pelo caminho até a plataforma. Chegando lá vi quando o
primeiro pulou, depois foi outro, mais outro. Agora outra e mais outra. Gritos,
assovios, aplausos e em poucos minutos havia centenas na linha do trem,
caminhando numa verdadeira passeata. Os outros aplaudiam com entusiasmo. Depois
que algumas centenas já tinha sumido na escuridão do túnel em direção ao Brás,
duas estações depois, onde talvez pudessem tomar o trem da CPTM, a situação se
tranquilizou um pouco.
Um grupo de seguranças do Metrô se
dirigiu para o túnel e fizeram um cordão dentro do vão da linha do trem para
evitar que mais gente entrasse. Não durou muito. Uma galera puta da vida que
veio do túnel do outro lado caminhou no sentido Brás. Enquanto isso outras
centenas pulavam pra dentro da linha e uma nova passeata se formou. De repente,
pra minha surpresa, começo a ouvir um coro. E não tenho dúvidas de que foi
espontâneo. Confesso que tentei puxar alguma palavra de ordem, mas não rolou.
Mas, do nada, as pessoas começaram a cantar: “Esse é o país da Copa! Esse é o
país da Copa”! Não era zoeira de “maloqueiro” da ZL. A molecada estava lá sim.
Jovens trabalhadores ferrados querendo voltar pra casa e soltando toda a raiva
acumulada. Mas, havia senhoras e homens mais velhos, trabalhadores e
trabalhadoras cansados de ser tratados como lixo todos os dias.
Diante da fileira dos seguranças houve
muito empurra-empurra e os cacetetes baixaram pra tudo que é lado, até que
alguém esvaziou um extintor de incêndio no meio do povo. Quando tudo ficou
branco, a massa dispersou um pouco. Mas, a tensão ficou no ar. Empurrões,
gritos e muita discussão. Nisso, o alto falante da estação começa a repetir
incessantemente: “esta estação será evacuada”. Não sei de onde tiraram uma
expressão tão trágica... evacuada! Alguns saiam, mas a maioria não arredava pé.
Os seguranças então vieram em linha dos dois lados da plataforma tentando tirar
todo mundo. Do meu lado, sem sair, busquei conversar com eles. Disse que
estavam sendo tratados como bucha de canhão pra conter o povo enquanto o
Alckmin, ladrão do dinheiro do metrô, estava na sua casa com ar condicionado.
Todos os seguranças com quem falei concordaram e muitos pareciam bem
desconfortáveis com a situação. Pararam de bater, mas continuaram cumprindo as
ordens de cima.
Pela plataforma, vi várias pessoas resistindo
à tentativa de serem retiradas. Uma mulher, indignada, simplesmente sentou na
plataforma e ficou lá. Mais adiante outra começou a gritar indignada e foi
aplaudida. Muitos dos que saiam, quebravam algo pelo caminho. Alguém abriu a
torneira das mangueiras de incêndio e a água começou a jorrar em plena
plataforma. Enquanto isso ainda havia muita gente chegando até a plataforma
vindos do trem parado a menos de cem metros da estação (entra o Anhangabaú e a
Sé). Alguns carregados por funcionários do metrô, muitas mulheres chorando,
todos pingando de suor e exaustos. Aqueles que acusam essa gente pelo caos por
terem acionado o botão de emergência não deve ter ideia do que é ficar preso
num trem parado superlotado, sem ar condicionado, por horas.
No fim das contas a linha vermelha ficou
paralisada e todos tivemos que sair da estação Sé. A imprensa lá em cima
(identifiquei a Band e Record), filmou alguns minutos e logo foi embora. Diante
das câmeras um momento de jubilo (apesar dos resquícios homofóbicos que ainda
persistem até na hora da raiva contra a opressão). Um coro cantava com
entusiasmo: “ei Pelé, vai tomar no cú!”. Muitos gritavam diante dos repórteres:
esse é o padrão FIFA! Não acho que essas cenas serão mostradas na TV. Mas eu
vi. Tive que correr pro Terminal Parque D. Pedro para ver se conseguia ir
embora de busão.
Terminal lotado às 22 horas. Consegui
entrar num ônibus e o assunto era o mesmo. Caos no metrô. Falei de quem era a
culpa. Corrupção. Privatização. Falta de investimento. Todos os governos,
Alckmin, Haddad e Dilma. Enquanto isso, gastam bilhões com a Copa e tudo mais.
Alguns falaram que quebrar não adiantava. Pode ser, mas ficar quieto adianta
menos ainda. O que a gente precisava era fazer como em junho do ano passado. Só
que com ainda mais força e com mais organização. O povo organizado, os
trabalhadores mobilizados, ninguém segura. Mas, eu não tinha um panfleto na
mão! E a data do próximo Ato denunciando a Copa é só em 22 de fevereiro! Tá
longe. E a luta pela tarifa zero, pela estatização do transporte e contra o
“tremsalão tucano”? Essas bandeiras nem estão sendo levantadas com a força
necessária. O ritmo das coisas é outro desde junho passado. Não dá pra perder
mais tempo.
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