Hoje, dia 14/12/2010, ainda não fazem vinte e quatro horas do ocorrido no dia anterior, quando fomos vítimas da brutalidade policial e da opressão do Estado. A vontade de escrever esse relato, surge – em meio a tristeza, indignação e esperança – da necessidade de se relatar para @s companheir@s que estão na luta, bem como para esclarece a chamada sociedade civil – que é claramente manipulada pelo mídia corporativista burguesa – o que de fato ocorreu durante esse turbulento dia de manifestação pacífica, que as câmeras de mídia televisiva e impressa não puderam ou não quiseram captar.
O dia mal havia começado – era por volta de 9 da manhã – e eu alguns companheir@s nos direcionávamos para a Ocupação Guerreiro Urbano, para demonstrar nosso apoio e solidariedade para com aquelas famílias que antes moravam de favor em casa de amigos e parentes, e alguns, infelizmente viviam na rua. Famílias essas, que não se deixaram abater pelo desespero e pela desesperança, ao contrário, viram no apoio mútuo e na solidariedade uma ferramenta para transformar a sua condição de vida, organizando-se e ocupando um prédio do INSS abandonado há mais de 20 anos.
O clima na entrada era de paz e alegria. Na porta da Ocupação, marchinhas de carnaval e sambas clássicos eram transformados em palavras de ordem, em solidariedade aos ocupantes. O clássico de Bezerra da Silva, ao som de pandeiros e um batuque improvisado, na hora virou: “Vou ocupar e não vou sair agora. Vou ocupar e não vou sair agora. Se segura Guerreiro que vitória não demora. Se segura Guerreiro que vitória não demora.”
Por volta das 10:00, alguns veículos da mídia corporativista burguesa haviam chegado ao local. Tiraram algumas poucas fotos, conversaram com alguns populares e manifestantes ao redor e fizeram algumas filmagens. Durante um pouco mais de 20 minutos. Depois puseram-se do outro lado da calçadas e ficaram conversando. Parecia que a felicidade, a paz e a alegria d@s manifestantes e moradores não era “interessante” o suficiente para uma matéria jornalística. A sensação que tínhamos é que eles aguardavam um banho de sangue para criar um verdadeiro Espetáculo com o sangue do povo. Eles nos espreitavam, quase como urubus, sobrevoando um animal ferido em um campo aberto, esperando o momento certo de atacar.
Era por volta das 12:00, estávamos tod@s relachad@s. Estávamos desde manha no local, em meio ao sol escaldante de um quase-verão carioca. Tínhamos muita sede e fome. Nessa hora, alguns companheir@s haviam trazido comida para nós. Estávamos cansad@s mas prontos para demonstrar nossa solidariedade pacificamente para os moradores. Foi na hora que estávamos comendo que a brutalidade policial (“brutalidade policial” é uma redundância) e a opressão Estatal teve inicio.
Era por volta das 12:00, estávamos tod@s relachad@s. Estávamos desde manha no local, em meio ao sol escaldante de um quase-verão carioca. Tínhamos muita sede e fome. Nessa hora, alguns companheir@s haviam trazido comida para nós. Estávamos cansad@s mas prontos para demonstrar nossa solidariedade pacificamente para os moradores. Foi na hora que estávamos comendo que a brutalidade policial (“brutalidade policial” é uma redundância) e a opressão Estatal teve inicio.
Eu estava sentado na calçada comendo um pão com tomate quando ouvi um grito de um companheiro: “Levante, o choque está vindo”. Quando levantei já vi um policial vindo em nossa direção, com um cacete imenso, spray de pimenta na mão e um semblante horrível, como um carrasco da Idade Média vindo para cumprir uma execução.
O próximo movimento que vi foi o seu cassetete em um movimento descendente em nossa direção extremamente coordenando com seu spray de pimenta, quase como em um balé da violência. Fui então, inúmeras vezes alvejados por jatos de spray de pimenta no rosto, abaixei para me proteger, e o policial não satisfeito lançou-o em direção da minha nuca e costas. Com os olhos ardendo de uma maneira insuportável, a ponto de não conseguir abri-los e nem de enxergar nada, fui arremessado pelo policial para longe d@s meus companheiro@s. Com as mãos nos olhos e a cabeça e o corpo curvado para me proteger fui andando.
Infelizmente, mal sabia eu que estava andando na direção de alguns policiais. A situação naquele momento era caótica, ouvia muitos gritos, choros (inclusive de crianças que estava na Ocupação), barulhos de pancadas (provavelmente dos cassetetes). Nesse momento, em que sem saber andei em direção a um policial fui alvejado por este com mais spray de pimenta, e em seguida ele me deu voz de prisão.
Ainda com os olhos ardendo muito, o policial me deu uma “gravata” e posteriormente utilizou o cassetete na minha garganta, me sufocando inúmeras vezes. O policial parecia perdido, não sabia bem o que fazer comigo, nem para onde me levava, e enquanto isso eu agonizava sem ar. A polícia brasileira – talvez mais a carioca – mostrou mesmo que eles realmente são os “cães de guarda” do Estado e das Classes Dominantes. Eles não mostravam nenhum domínio de alguma capacidade minimamente não-violenta, como o dialogo e o acordo. Estão preparados para lidar com situações bélicas, e a final de contas isso serviu para mostrar que a luta por moradia, e de maneira geral, os movimentos sociais são casos de polícia, assim como na República do Café com Leite – mostrou também a militarização da Questão Urbana.
Fui o primeiro a ser detido, mais 6 viriam se juntar a mim, posteriormente. O filósofo francês Michel Foucault, afirmava já nos anos 80 que estávamos rumando para uma Sociedade Biopolítica, isto é, uma sociedade onde o controle sobre a humanidade se daria enquanto um controle sobre a espécie, uma política da vida. Ele estava certo. A moradia é algo vital para o ser humano e a luta pela moradia, bem como a tentativa de cerceá-la são disputas e tensões biopolíticas. Mas podemos ver também que traços da Sociedade Soberana, àquelas anteriores ao século XVIII ainda permanecem. As prisões, tal qual as conhecemos hoje, são recentes, sobretudo a partir do fim do século XVIII. Até então os crimes eram controlados principalmente, a partir daquilo que Foucault chama de punição ou castigo exemplar. Já que não existiam masmorras o suficiente para todos, os crimes eram coibidos através da execução ou punição em público, amedrontando os possíveis criminosos, utilizando um caso somente como exemplo para os demais.
Creio que o meu caso tenha sido semelhante. Como disse, fui o primeiro a ser detido. Perguntei ao policial porque estava sendo detido, já que não havia feito nada, o mesmo nem soube me responder o porquê: “Você está preso. Quem vai dizer o porquê é o delegado”. Evidenciando uma clara tentativa de me usarem como um “exemplo” para o resto d@s manifestantes. Em seguida fui levado para o porta-malas de uma viatura. O calor era insuportável, excruciante. À medida que eu suava – e como suava! – o suor escorria e espalhava o spray de pimenta por todo o meu corpo. Era quente, escuro e extremamente abafado, dificílimo de respirar. Quando @s companheir@s foram chegando a situação foi piorando.
Várias irregularidades foram cometidas. Algumas companheiras mulheres foram colocadas no mesmo porta-malas que nós, homens, uma clara irregularidade. Um companheiro que foi levado sofre de claustrofobia – esteve a beira de um ataque nervoso, mas mesmo assim foi colocado no porta-malas, só depois de muita insistência d@s companheir@s que os policiais aceitaram a colocá-lo na frente. Em um determinado momento, @s 7 detid@s estiveram junt@s no mesmo porta-malas, uma clara violação dos direitos humanos. Pedíamos para os policiais abrirem a porta para ventilar, mas assim que aparecia alguma companheir@ para filmar ou nos fornecer água eles fechavam, se utilizando desse terror físico/mental promovido pelo calor como uma ferramenta. Em um determinado momento quando a água acabou, uma companheira nos veio trazer refrigerante e os policiais simplesmente a impediram de nos dar a garrafa. Ficamos nessa situação insuportável por aproximadamente uma hora.
Durante o percurso para a Policia Federal na Praça Mauá, o policial que estava ensandecido ao volante, ficava fazendo curvas bruscas e freadas repentinas repetidamente, na intenção de nos causar um mal-estar físico e psicológico, já que ficamos chacoalhando como um saco de batatas. A sensação era a mesma dos bois e frangos que ficam se sacudindo nas estradas, esperando para chegar ao abatedouro. Durante o caminho nosso companheiro que havia ido na frente, falou que os policiais ficavam provocando-o e fazendo comentários violentos. Certa hora ele afirmou que um policial disse: “Tu é do Morro da Providência então né? É, já matei muito vagabundo ali. Esculachei muita gente lá, eu era do BOPE!”.
Chegando lá, por volta de 13:00 horas, felizmente os advogados e os defensores públicos conseguidos graças aos esforços e organização d@s companh@iras já estavam presentes. De início, achávamos que ficaríamos esperando em uma sala, por volta de algumas poucas horas para sermos ouvidos e posteriormente liberados. Estávamos obviamente enganados. Fomos mandados para uma sela, como se nós tivéssemos cometido algum crime e julgados. Fomos sentenciados àquele castigo horrendo. A alegação? Defender o direito a moradia e lutar pela construção de uma sociedade livre, justa e igualitária. Ficamos 5 companheiros em uma sela e as duas companheiras em outra. Não havia banheiro. Somente 1 banco e uns colchonetes fedendo a urina no chão. Tudo era sujo, apertado e fétido. A situação era horrível. O ar denso e pesado, como se pudéssemos sentir o que as outras pessoas que estiveram ali anteriormente passaram. Ás 13:30 fomos ao banheiro e comemos uma comida trazida pel@s companheir@s. Dessa hora até as 18:30 ficamos sem comida, banheiro, ficamos incomunicáveis. Nosso direito, garantido pela constituição do telefonema só foi respeitado ás 18:30. Foi nesse horário também que foi trazido uma sopa vegetariana de lentilha com pão pel@s companheir@s. Foi a melhor sopa que tomei em toda minha vida, a sabor e o cheiro de solidariedade somadas à fome foram indescritíveis.
Somente começamos a ser ouvidos a partir das 21:00, aproximadamente. A medida que @s companheir@s saiam, podíamos ouvir o aplauso e os gritos de felicidades que d@s companheir@s que estavam lá fora esperando por nós. Aquilo era revigorante. Meu depoimento foi rápido, o delegado era jovem e parecia estar cansado. Mostrava também uma descrença quanto ao alegado pelos policiais.
Quando fui liberado, corri em direção @s companheir@s que me esperavam. Foi realmente emocionante. Estar “livre” de novo e perto das pessoas que você ama e que estão juntos contigo na luta pela construção de uma sociedade livre, justa e igualitária é realmente incrível.
Agora temos que, a partir dessas lições, inclusive das lições do cárcere, de fato aprender algo. A conjuntura é outra, é brutal. Eduardo Paes com a sua política (étnica e de classes) de higienização urbana aliado ao Sérgio Cabral, como BOPE ás UPP´s e toda a militarização da questão urbana, somente atestam a gravidade da situação.
Faço aqui um apelo á tod@s aquele(a)s que se identificam com a luta popular libertária, para apoiar os movimentos e a população oprimida que está sofrendo na pele as conseqüências dessa guinada fascista do Rio de Janeiro. E á tod@s companheir@s que permaneçam na luta, não desistam. Já aos demais militantes de outras organizações e setores, que se somem a luta, pois o momento é de solidariedade e apoio mútuo.
Ser livre no império de empresários e autoridades.
Ser lúcido entre ondas de ar e sedativos.
Acreditar em si próprio sob a tirania da realidade consensual.
Ser sensível vivendo ao alcance de oficinas com condições desumanas, estádios e matadouros
Com o cheiro de sangue no ar.
Sonhar com beleza, com as estrelas arrancadas do céu.
Os anjos engaiolados e os heróis demonizados.
Cantar com a garganta cheia do algodão da inibição.
Escrever sobre graça com mãos calejadas e faces ensangüentadas:
Ousar gritar, e até chorar, orgulhosamente, ante os olhos zombadores dos juízes, do carrasco e da multidão.
Não ter medo: mover-se e seguir esse movimento
Até mesmo na morte, viver para se incendiar nos escombros.
Dar tudo: Beijar sem apreensão, vergonha ou comedimento,
Fazer amor na cidade do ódio.
E sim, estar vivo.
Vivo na terra dos mortos.
Viva a luta pela moradia!
Viva a luta pela autonomia e autogestão generalizada dos povos.
Pela construção de uma sociedade sem classes, sem exploração e sem Estado.
Ser lúcido entre ondas de ar e sedativos.
Acreditar em si próprio sob a tirania da realidade consensual.
Ser sensível vivendo ao alcance de oficinas com condições desumanas, estádios e matadouros
Com o cheiro de sangue no ar.
Sonhar com beleza, com as estrelas arrancadas do céu.
Os anjos engaiolados e os heróis demonizados.
Cantar com a garganta cheia do algodão da inibição.
Escrever sobre graça com mãos calejadas e faces ensangüentadas:
Ousar gritar, e até chorar, orgulhosamente, ante os olhos zombadores dos juízes, do carrasco e da multidão.
Não ter medo: mover-se e seguir esse movimento
Até mesmo na morte, viver para se incendiar nos escombros.
Dar tudo: Beijar sem apreensão, vergonha ou comedimento,
Fazer amor na cidade do ódio.
E sim, estar vivo.
Vivo na terra dos mortos.
Viva a luta pela moradia!
Viva a luta pela autonomia e autogestão generalizada dos povos.
Pela construção de uma sociedade sem classes, sem exploração e sem Estado.
Pablo Campos Leal
http://pelamoradia.wordpress.com/2010/12/15/outro-relato-sobre-o-despejo-da-ocupacao-guerreiros-urbanos/
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